Há quem diga quedezembroé só mais um mês. E há quem aproveite o fechamento da contagem dos 365 dias do ano para refletir. Afinal, cada término de um trecho do gotejar do tempo de vida na Terra pode ser momento de pensar na trajetória de cada um e, de repente,retraçar a rota… recomeçar. ASecretaria da Saúde do Ceará (Sesa)conta, nas duas últimas semanas de 2025, histórias de pessoas que recalcularam caminhos e, mesmo acumulando perdas, ressignificaram-nas, se redescobriram ecomeçaram outra vez.
Serão duas reportagens. Nesta antevéspera de Natal, você vai escutar as vozes de quem, mesmo com doenças pulmonares crônicas que, literalmente, tiram o fôlego, retomaram o ar, por meio da música. Já na semana que vem, pouco antes de o ano virar, conheceremos a história de Rafael, um menino que perdeu a visão por causa de um câncer, mas tornou-se campeão paralímpico de judô ainda criança. Boa leitura!
Há diagnósticos que chegam como uma ruptura. De repente, a vida precisa ser revista, o ritmo muda, os planos são interrompidos e o futuro parece incerto. Mas há pessoas que, mesmo diante das limitações impostas por umadoença crônica e progressiva, escolhemressignificar a própria história. É nesse encontro entrecuidado, persistência e esperançaque nascem osrecomeços.
Referência no diagnóstico e tratamento de doenças pulmonares crônicas, oHospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), da Rede Sesa, acompanha diariamente histórias de superação que inspiram pacientes e profissionais. A de Maria Lucineide Santiago, 50 anos, é uma delas.
Gerente de equipe, independente e ativa, ela teve a vida transformada após contrair covid-19 e desenvolver sequelas da doença. Após inúmeras idas às emergências, veio o diagnóstico:enfisema pulmonar— uma condição crônica que afeta os pulmões, provocando perda de elasticidade e redução da capacidade de expansão pulmonar. A rotina passou a ser marcada por internações frequentes, inclusive em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e peladependência do oxigênioaté para as atividades mais simples.
“Minha vida mudou completamente. Sempre trabalhei, sempre fui independente, e de repente me vi dependente do oxigênio até para coisas simples, como tomar banho”, relembra.

Cansada das internações, dos equipamentos para respirar e da sensação de não avançar, Maria Lucineide quase desistiu. Foi então que recebeu uma proposta decisiva: teria alta de um hospital particular se se comprometesse a participar doPrograma de Reabilitação Pulmonar do Hospital de Messejana. Aceitou — mesmo com medo e muitas limitações.
“Eu andava com uma bala de oxigênio. Até a voz eu perdi. Precisei reaprender a viver. Eu só queria voltar à minha rotina, mas nada era como antes”, conta.
No Programa de Reabilitação Pulmonar, ela encontrou mais do queexercícios respiratórios. Encontrou acolhimento, segurança e profissionais que não a deixaram desistir. Com disciplina e compromisso, passou a se dedicar intensamente ao tratamento. A evolução veio — e surpreendeu.
“Cheguei a iniciar o processo para o transplante de pulmão. Mas, com os exercícios, as medicações adequadas e o acompanhamento da equipe, o quadro foi revertido”, relembra. Os exames mais recentes impressionaram a equipe médica. Hoje, o uso do oxigênio está restrito aos exercícios mais intensos. “Eu me reencontrei na Reabilitação Pulmonar. Foi aqui que percebi que era possível.Ganhei a oportunidade de recomeçar”, afirma, emocionada.
Desde 2018, oCoral Viva o Arintegra oPrograma de Reabilitação Pulmonar do HM. Criado inicialmente como um projeto experimental da residência multiprofissional, tornou-se parte fundamental do tratamento. “O coral funciona como umamanutenção da reabilitação, estimulando a continuidade do cuidado de forma leve, sensível e transformadora”, explica a fisioterapeuta Tereza Morano, responsável pelo programa.
Os resultados são expressivos. Pacientes que participam do coral apresentam menos registros de internações, conseguem manter a doença controlada e, em muitos casos,evoluem de forma surpreendente.

Segundo a assistente social e regente do coral, Leyla Morais, o canto vai muito além da música. “Eles passam três meses na reabilitação, e o coral surge como uma forma de manter o tratamento. Aqui, eles fazem exercícios sem perceber. Trabalhamos respiração, capacidade pulmonar, memória — tudo dentro dos limites de cada paciente”, explica.
Para Leyla, acompanhar essas trajetórias é também umafonte diária de inspiração. “Vê-los superando suas limitações é emocionante. A música traz alegria e saúde. Eles são perseverantes, comprometidos. Eles nos mostram que é possível ter qualidade de vida, cantar e viver, mesmo com doenças tão graves”, reforça.
Veja o depoimento da regente:

Maria Lucineide é uma dessas vozes. Ela, que chegou a perder a fala pela falta de oxigênio, hoje canta. E canta com emoção. “O prazer de cantar é indescritível.Quando canto, as lágrimas escorrem. Passa um filme na cabeça. É muita emoção”, descreve.
Para ela, aceitar a doença não significa se limitar. “Aceitar não é desistir. Acredito que sou capaz e luto todos os dias. Esse hospital e essa equipe me devolveram a alegria de viver.”
Ao olhar para trás, Maria Lucineide resume o ano em uma palavra:transformação. “2025 foi o ano da alegria da minha vida.”
Ouça o depoimento:
Histórias como a dela mostram que, mesmo quando a realidade se apresenta desafiadora, é possível mudar a perspectiva, ressignificar trajetórias e descobrir novos sentidos. Mudar pode assustar. Mas, para muitos pacientes do Hospital de Messejana,recomeçar tem sido como nascer de novo— e, sobretudo, voltar a respirar com esperança.
Confira alguns depoimentos de participantes do coral:
O Programa de Reabilitação Pulmonar do Hospital de Messejana surgiu em 1999. Por meio de atividades teóricas de caráter informativo e educativo, aliadas a exercícios físicos adequados e individualizados, a iniciativa atua na reabilitação e no tratamento de doenças pulmonares.
ACaminhada no Bosquee oCoral Viva o Arsão atividades de extensão que incluem caminhadas ao ar livre e ginástica terapêutica, sempre sob supervisão de fisioterapeutas.
O paciente ingressa no programa por indicação médica e passa por uma triagem realizada por uma equipe multiprofissional, composta por terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, enfermeiro, assistente social, nutricionista e psicóloga.

A pneumologista Cyntia Viana acompanha os pacientes assistidos pelo programa e reforça a importância da equipe multidisciplinar para a adesão e a manutenção do tratamento das doenças pulmonares crônicas.
“A doença respiratória impacta diversos aspectos da qualidade de vida. O acompanhamento médico garante estabilidade e segurança para a atividade física; a fisioterapia promove treinamento seguro, fortalece a musculatura e aumenta a capacidade funcional, reduzindo internações e melhorando a autonomia. Psicologia e terapia ocupacional auxiliam o paciente a compreender a doença e desenvolver estratégias de enfrentamento. A fonoaudiologia, incluindo o Coral Viva o Ar, trabalha a respiração, a voz e o bem-estar emocional. A nutrição atua na recuperação do estado nutricional, favorecendo o ganho de massa muscular, a redução da dispneia e o melhor desempenho físico. Todo o time do hospital contribui para o acolhimento e o cuidado integral dos pacientes”, destaca.
A aposentada Ana Célia Nascimento, 59, paciente do Programa de Reabilitação Pulmonar, que não conseguia fazer o próprio almoço e hoje canta no coral, resume o trabalho conjunto: “eles nos deixam ver que uma doença não é o fim”. Pode ser, na verdade, umaoportunidade de recomeçar.
Sensação
Vento
Umidade




